quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

"Paisagem Vista da Ponte"




Debaixo da ponte
o homem dorme
como um acervo de inanimado ossos
como uma pedra
calado e triste.

Debaixo da ponte jaz
o homem entre os detritos,
de cara suja de fome,
de mãos segurando o vazio
de seu cansaço.

Ponte fria de concreto,
concreto que esmaga o homem.
Tal como a ponte
o homem dormindo
é como um corpo sem alma.

E um corpo sem alma é melhor
que um corpo com fome,
é melhor que um estomago saqueado.

Um corpo sem alma
é como cantiga sem som,
é como pássaro sem asas
voando ao infinito.
É como um silêncio enorme
entre o sonho e a realidade
sem nenhum movimento.

E a ponte sabe
do homem dormindo.
Sabe de sua barba comprida,
de seu doloroso ventre
mais fundo que precipício.

A ponte sabe
que há mendigos,
filhos de mendigos,
(procriação em favor e preservação
da raça).
Nascituros repelentes
que expõem as chagas nas pontes.

E sabe mais:
da fria cidade grande,
cheia de homens nutridos,
onde filhas, mulheres nutridas
andam todas bem vestidas
e usam rendas,
engordam até se tornarem obesas.
Porém a lição
é tirada dos homens sujos,
eles sim engordam mais que a obesidade,
mais que o enfarto do miocárdio,
mais que as bolhas de água
nas solas dos pés,
mais que o sonho do contra-filé
que nunca tiveram,
porque embaixo da ponte eles apodrecem
e incham sozinhos, despercebidos.

Aí eles morrem
como morre qualquer bicho.
Ali eles morrem
sem ecos, sem sonhos, sem gritos
ou gemidos.

Ali eles morrem
e o próprio lixo os enterra.
Ali eles morrem
como morrem os cactos,
secos,
banguelos,
se derretendo
até a desintegração completa.

Debaixo da ponte
metodicamente,
vão se transformando em lixo,
num lixo que pouco a pouco
também vai sendo enterrado.

Que pouco a pouco
vai ganhando o fétido fortum
do homem,
o líquido visguento
do homem,
e até a indiferença:
a mesma que matou o homem.

Debaixo da ponte
o homem se faz lama,
a lama se faz em lixo,
o lixo vai se enterrando,
e desse esterco nasce a rosa,
como contraste e consolo
do homem
passar pela vida...
E nos deixa a Rosa...a Rosa...

Maria Flor ჱܓ


8 comentários:

  1. Menina que beleza de poema! Incrível. Os mendigos também me intrigam rs... Observei um durante um ano e escrevi sobre ele.Logo irei repostar.A maneira como descreveu comparando com os nutridos e depois a transformação em lixo humano.Nossa! Para se refletir, e muito!Adoro a maneira como escreve e assim vou aprendendo com quem realmente sabe. Parabéns! bjão

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  2. Oi Maria Flor, maravilha de versos menina!
    Vc é fera!

    Um beijo de carinho da chapéuzinho

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  3. A eterna miséria humana vista com os olhos agudos da Maria Flor.
    Carinho.

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  4. Que poema mais lindo, e de uma grande reflexão.
    Tenhas um lindo fim de semana.

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  5. É a paisagem da miséria humana...
    beijos, um lindo fim de semana para ti

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  6. Minha linda esta realidade é o rastro de descaso dos governos corruptos que deixam a olho nú de degradante esta paisagem ai de dor,frio e fome.Muito bom teu texto em forma de poesia. Uma forma de deixar uma fotografia de nossos irmãos.
    Beijos da amiga que sente tua falta em meu canto.

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  7. Um poema que mostra a realidade, principalmente dos grandes centros urbanos. Seu poema é um lamento em nome daqueles que sofre ao relento e tem apenas as estrelas como iluminação e as pontes e viadutos como teto.

    Valeu!!

    Bj

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  8. Flor é chocante e maravilhoso.. a realidade é chocante.. e vc a mostrou de uma forma que chegou a doer em mim..muito triste a desigualdade e muito mais triste é a indiferença de todos, que simplesmente vira o rosto para não ver o que esta diante dos olhos. parabens.. vc é uma grande poetisa e merece estár entre as melhores.. beijão

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Uma Florჱܓ com carinho