Se não fosse a surpresa dos olhos cor de mel
ir açucarando até virar castanha em ponto de bala,
em pleno poder de ebulição,
eu talvez estaria imunizada antes de mergulhar
fundo naquele tacho fumegante.
Mas o corpo tem coisas de momento
e queda-se em fogo alto,
que não se explica, apenas arde.
Sou essa extravagância quando o corpo padece
e a cabeça não pensa, bombeando o coração.
Eu chamaria de sofisticado,
esse trabalho mais do que delicado,
de congelar e engavetar os gritos
quando o coração não resiste
às tramelas e geme desaguado.
Se não fosse o ato, já tão habitual de reinventar-me,
não me reconheceria pulando cem metros
rasos tão distraidamente.
Que me importa se a manhã não é azul-sintonia,
ou laranja-por-do-sol,
quando a noite é rubra e me promete as chaves
daquela porta emperrada?
Se não houvesse o pouco, não haveria a pausa.
Agora, quando desato laço e nó, e lanço a cabeça,
em meu último suspiro,
e faço com a certeza de que a morte
sempre esteve a espreitar os descuidos
esquecidos na soleira, no início do verão.
Até que o bem-te-vi gorjeie em tempos de antes,
a andorinha solfeja o outono avisando
que momentos de primavera
não perpetuam estações.
Se não fosse à algibeira transbordante
de pedras e cristais,
a pesar o coração mumificado,
eu não teria conseguido emergir desse corpo
que me encaixa tão bem...
Maria Flor ჱܓ
Só tu para numa poesia reunir todos os estados da natureza e dos elementos!
ResponderExcluirÉs maravilhosa e essa que acabo de ler....é de ficar sem respiração de tanta beleza!!!!
Criatura...se tu não existisses...a poesia precisaria te inventar!!!!!
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