sexta-feira, 17 de julho de 2009

Se não fosse a surpresa dos olhos cor de mel
ir açucarando até virar castanha em ponto de bala,
em pleno poder de ebulição,
eu talvez estaria imunizada antes de mergulhar

fundo naquele tacho fumegante.

Mas o corpo tem coisas de momento

e queda-se em fogo alto,
que não se explica, apenas arde.

Sou essa extravagância quando o corpo padece

e a cabeça não pensa, bombeando o coração.

Eu chamaria de sofisticado,

esse trabalho mais do que delicado,
de congelar e engavetar os gritos

quando o coração não resiste
às tramelas e geme desaguado.

Se não fosse o ato, já tão habitual de reinventar-me,
não me reconheceria pulando cem metros

rasos tão distraidamente.

Que me importa se a manhã não é azul-sintonia,
ou laranja-por-do-sol,
quando a noite é rubra e me promete as chaves

daquela porta emperrada?

Se não houvesse o pouco, não haveria a pausa.

Agora, quando desato laço e nó, e lanço a cabeça,
em meu último suspiro,
e faço com a certeza de que a morte

sempre esteve a espreitar os descuidos
esquecidos na soleira, no início do verão.

Até que o bem-te-vi gorjeie em tempos de antes,
a andorinha solfeja o outono avisando

que momentos de primavera
não perpetuam estações.

Se não fosse à algibeira transbordante

de pedras e cristais,
a pesar o coração mumificado,
eu não teria conseguido emergir desse corpo

que me encaixa tão bem...

Maria Flor ჱܓ

2 comentários:

  1. Só tu para numa poesia reunir todos os estados da natureza e dos elementos!
    És maravilhosa e essa que acabo de ler....é de ficar sem respiração de tanta beleza!!!!

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  2. Criatura...se tu não existisses...a poesia precisaria te inventar!!!!!

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Uma Florჱܓ com carinho