domingo, 30 de maio de 2010

"Ao Entardecer - Amantes Além das Estrelas"



Como podes numa só noite varrer o pó da estrada
que deixamos de trilhar e se incendiou ao sol do
esquecimento e ir produzir este barro de inquietação,
dentro do meu peito?
Como floriram de novo as roseiras do desejo - nesse

poço em que mergulhaste –
e foi falésia de um grito de absoluto recolhimento?

Recordo-me do nosso casual encontro numa tarde de
sorrisos e tormentos, por te ver e algo em mim tolher
aquele impulso de me acolher nos teus braços e beber o
silêncio do teu corpo.
Como se um cortejo de palavras se perfilasse e se fizesse
muralha para quebrar o meu arco-íris de ternura.

Lembro-me que os teus olhos trepavam nos montes e para
ancorar nos meus em breves momentos de pedra e vendaval.
Ficou-me apenas aquela tua frase, pesada como o musgo do
tempo:
“ A ironia é o último véu do desespero.”
Dita assim como se dizem as coisas sem importância,
um sorriso contrafeito enfeitando o rosto, esse teu rosto,
talhado no mármore da memória...

Que tens feito dos teus dias?
Não mais nos vimos desde a tarde de todas as tormentas
e a palavra foi cortada a machado pela raiz como árvore
que perde a seiva e morre.
Morria também o nosso amor assim cortado pelo caule
das palavras?
Interrogava-me depois todos os minutos do dia sobre esse

parto feito em mim, esse extirpar forçado de um fruto mais
temporão que o sangue nas nossas veias.
Que diriam de nós se soubesse a extensão da nossa estrada,
esse caminho percorrido em etapas até ao cume da montanha?
E depois lá, que diriam das aves pousadas no cume da madrugada
e desse frêmito de olhar a dois o infinito, sem velas,
ou outras selas mais velozes que aquele planar no tempo,
esse esquecimento de tudo o mais que não o esvoaçar
do pensamento, na seda da pele de que somos feitos...

Onde nos levaria esse agigantar de bola em direção a
uma neve incandescente?
Essa queda em cascatas de mais e mais, tortura dos
sentidos soltos no rumor do arvoredo?
Eu sei, meu amor que foi o medo, essa torre sem
degraus talhados.
Por isso me respondeste:
“ Tenho passado metade dos meus dias, a evadir de mim
a voz do tempo.
E a outra metade pensando em como o tempo me devora
lentamente e eu deixo.
Procuro não alterar a planura dos sentimentos.
Acreditar é tecer a morte dos dias... ”

E o cinismo fez no teu rosto uma teia de tristeza
sem epicentro.
Percebi que me tinhas posto no pedestal dos deuses
por decepar e que agora nada mais era que estátua
que outrora foi por demais mulher nos teus vendavais.
E disse:
“O esquecimento, meu amor é esse musgo que nos cobre o
corpo de seca maresia, esse existir sem que a sombra
dos dias se projete sobre nós e nos afague.
Essa areia que cobre e fustiga a memória criando dunas
de cinismo e ironia, para que o vento não nos abra o
peito e outras chagas em exposta melancolia”.

Então tu sorriste e essa brisa caiu sobre nós como um
encantamento.
Mas alguém trouxe a voz do dia e a realidade caiu sobre nós
a pique porque te quedaste no voo de uma ave e te sentiste
já ausente, no arquipélago de solidão a que pertences.
Quero-te, diziam as minhas mãos cruzadas no regaço
e havia o repicar de um sino na foz dos meus dedos.
Queria não querer-te, lia-se no trepidar dos teus gestos,
e nesse harpejar de um silêncio sem voz.
Estás diferente.
“Sou assim, como um loureiro que o vento inclina
para onde sopra.
Não me deixo prender em palavras, nem a lua me cobre
de
espinheiros.
Descobri recentemente que a ironia é o último
véu do desespero...”.

E essas palavras cortaram a ponte e o rio engrossou
com as chuvas e nunca mais a palavra foi pronunciada
entre nós no desaguar dos dias seguintes.
Que diriam de nós se soubesse o que abatemos na
montanha apetecida?

Agora dorme meu amor, que o meu regaço é o linho dessa mãe
que te afagava, e tu voltastes a ser o mesmo menino que
seguia pipas pela planície e os fazia dobrar o horizonte.
Dorme, meu amor que eu velo por ti e por este amor que
quer ser e apenas asas tem.
Sonha meu amor que és o fruto e eu a tentação, e o sol nos
banha o rosto, na mais bela manhã de qualquer estação.
Dorme que eu pintarei para ti um céu sem nuvens,
vestido de rosa púrpura e de camélias, enfeitado
de margaridas do prado e outras flores assim belas.

Deixa que guarde assim este momento, pintado na tela
da insensibilidade dos dias e no prodígio das fontes.
Deixa-me seguir os vastos regatos, como lágrimas destes
olhos que secaste, quando fizeste das palavras serenas
áleas e me fizeste percorrê-las para te achar.
Queria dizer-te que o amor é este ornamento da alma,
este delta dos sentidos que projeta nas coisas a deliciosa
sombra do primeiro beijo.
Queria também que soubesses que o vento me trouxe sempre o
teu afago, quando o meu pensamento voava para ti, cavando
brechas no tempo do deserto.

Sempre soube que eram doces os teus olhos, como só os olhos
tristes sabem ser, essas asas de corvo negro que pousam
em mim como entrega sem prazo nem limite.
Afaste esse véu de penumbra e rasga o teu corpo em intenção
do meu, com a mesma doçura com que me abres a boca em
busca do meu beijo.

Não há mistério, nem há reserva, quando dois olhares se
encontram na neblina e essa erosão das nuvens descobre
um rosto, mãos que se estendem e se oferecem
e estão cheias de toda a seiva de vida que há na
floresta tropical.
Ou quando a neve se faz lã e tudo nas palavras é carícia
e as suas letras sustentam os pilares do medo...

Sorrio e tu segues no teu sono borboleta
do meu pensamento, abrindo a palma da mão
para o sol que te encandeia e sucumbindo de
novo a esse doce embalo dos sentidos, eu e tu
esta serenidade madura,
“em razão da plenitude do mundo onde tudo está ligado

e cada corpo age sobre cada corpo...” . (Lavoisier)

Depois há este braço que é o teu, este corpo que se
deixa estar, este rumor de ramagens, este sono que

me abraça e a inclinação do dia.
Deslizo sobre ti e aninho-me no teu peito manso de

dor e tu enlaças-me como um homem enlaça uma mulher
e os dois somos a metade que se completa desde que o
criador nos fez ambíguos e insurrectos.
Almas Gêmeas meu amor...

O sol pode cair no seu declínio e a morte pode entre
nós tomar assento, com aquela certeza que só ela anuncia,
que nós dois seremos sempre e até que queiras, a quietude
serena deste dia de adorável, frondosa calmaria,
sempre seremos:
Amantes Além das Estrelas...

Maria Florჱܓ

8 comentários:

  1. Saludos cordiales. Este poema es un canto a la vida. Donde nos narra con mucha imaginación y estilo los detalles que nos hace felices a nuestra existencia. Como también los pesares por no comprender como debemos llevar la felicidad.
    Con mi afecto
    Víctor Manuel

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  2. Muito linda a historia,,,um amor assim é tudo que a gente busca na vida,,,uma bela semana e um beijo.

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  3. Ufa,respirei! Seu poema é uma obra de amor.Os questionamentos, as lembranças, o futuro tão amante além das estrelas. realmente é um mundo único e particular o dos sentimentos. Só posso admirar e dizer que é uma grande poetisa. Parabéns! Montão de bjs e abraços

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  4. Sempre encontras um jeito de sempre surpreender...tu és tu e ponto final!

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  5. Gosto tanto de estar aqui na suavidade deste teu "refugio".

    Vim deixar meu carinho!
    Helena

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  6. Muito lindas as imagens do teu conto-poema, Maria Flor!

    bjs

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  7. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  8. Passsei pra saber as novidades,desejar um lindo dia dos namorados e um final de semana light,alegre e em paz. Montão de bjs e abraços
    Elaine Barnes

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Uma Florჱܓ com carinho