Noite Acesa...
Noite acesa em labaredas de silêncio,
uma daquelas noites do uivar do vento
a adivinhar-se na planície verde imensa,
ensanguentada de negrume...
Da aldeia soltam-se chispas do carvão dos tempos,
ainda que Maio corra já nas veias dos mais novos
em partilhados silêncios, de outros tempos.
Esvoaçam os segredos que o relógio conta um a um,
em cada badalada restrita que entrega ao vento.
Das casas o fio azul das chaminés quase extinto,
dos contos que se contaram aos meninos
famintos de outras eras.
Dos bares ainda o lamuriento canto dos últimos
filhos ébrios do desencanto,
espalhando filamentos de lancinantes uivos.
Mora ainda em algum recanto a escuridão sepulcral
das eras antes da eletricidade,
e do progresso tudo descentram,
como porco esquartejado.
Nos céus piscam constelações como candelabros
ao sabor do vento e só os gatos lhes entendem o rumor
em suas incursões lunares pelo cio dos telhados;
bruxas há que se dizem nuas,
envoltas no grisalho dos cabelos;
os cães num furioso ladrar que prenuncia
a invisível alcatéia do medo,
é o desfile sonâmbulo de mil vendavais rasgando
as camas e o sono.
Rápidos os minutos são como luas febris
arrancados aos covis onde os amantes
se estreitam coberto de nenhum luar.
Trêmulos os velhos pensam na mansidão do tempo
em que lhes couberam tantas vidas e submergem
pendurados em árvores podres de melancolia.
Pelas ruas correm ainda os ébrios à solta,
em alegria inconsciente e reinada,
piando as corujas junto às igrejas nas ruas nuas
de espanto e de asfixia.
E eu sou só o corpo onde se magnetiza a noite de vinil,
alguém que escuta apenas e sente que foi esta a primeira
escuridão assombrosa de sempre.
Foi numa noite assim que um homem e uma mulher
se estreitaram meigamente e do silêncio
produziram o lume dos corpos.
Eu nada sinto.
Pressinto, como apenas folha de cipreste,
o palpitar de uma noite em diáfano futuro imperfeito,
onde das almas se ergue apenas à voz gélida de um
vaguear em dilacerante silêncio.
Cubro-me na alvura imaculada dos lençóis.
Receio que à noite me disperse no interior de mim mesma.
Tanto silêncio e, na cama ardo em lamentos mudos.
Fugirei de novo.
Ao raiar do sol partirei para o ruidoso mundo...
E da noite acesa nada mais restará
até a próxima noite...
Maria Florჱܓ
Olá Maria Flor!
ResponderExcluirNum espaço de vida imaculada
cabe uma urbe de desencanto
faz de tudo com apenas nada
religiosidade terrena sem santo
Aqui vou apreendendo alguns novos conceitos de poesia. Bom fim de semana. Beijos
Nem sei o que dizer...Achei lindo, triste e ao mesmo tempo de uma beleza requintada, elegante, onde o estar dentro do inconsciênte trouxesse medo,mas,também um conheciido íntimo e decifrável.
ResponderExcluirestava com saudades! Amei...bjs
Sublime...votos de bom fim de semana. Bjs
ResponderExcluirMaravilhoso poema!!!!
ResponderExcluirDenso, forte, romantico....
deixo meu carinho e um abraço com ternura.
beijos
oi Florzinha..amei de paixão..lindo.. emocionante.. vc é mesmo incrivel..saudade..beijo
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