Começou com um cheiro de terra úmida, que descobriu vir de sua própria pele.
Depois o apelo incontrolável da chuva convidando-a a purificar-se.
Por fim abelhas, perseguindo-a como se retivesse mel.
Um dia, ao acordar, sentiu-se drenada pela claridade que invadia
as frestas da veneziana.
Abriu a janela e desabotoou a camisola.
Uma margarida brotara em seu peito.
Como um animalzinho, ela inclinava o pescoço em direção à luz.
A primeira reação foi de espanto, mas ao verificar que seu colo aquecia-se morno,
ela sorriu, aceitando.
De pálpebras cerradas, o corpo era entrada.
O sol penetrava doce e intenso,
e o filhote de margarida devolvia-se em pétalas,
caule e cor.
A caminho do trabalho parecia levitar,
sem qualquer esforço o trajeto desenrolava-se sob seus pés.
Adivinhava, ainda de olhos fechados, sorrisos de inefável beleza,
dando passagem à flor que rasgava o vestido.
Experimentava-se permeável à vida, sem ansiar entender-se, à flor da pele.
Ao passar por uma praça, obedeceu ao impulso de enterrar-se junto
às raízes da grama fofa.
Ficou ali, alguns minutos...ou horas, como um cadáver feliz,
de abdômen para cima, fortalecendo a margarida.
O vira-latas farejou-a, a criança apoiou-se em seus seios para
observar de perto a criatura branca e amarela.
Misturava-se à superfície fértil, palpável, tal qual grão diluindo-se no todo.
Ao mesmo tempo, deixava-se contagiar por uma nova solidão, distinguindo-a,
ampliando-a, transcendendo-a: lucidez.
O céu era azul.
O mundo despia-se.
Estava à mercê das revelações.
Finalmente levantou-se, impregnada de pólen, entregando-se ao caminho
indicado pela flor-bússola.
Foi caminhando, ombros abertos, mãos espalmadas, nariz alto sorvendo a manhã;
distanciando-se... até o invisível.
Acreditam, alguns, que tenha desaparecido, sem vestígios.
Mas há os que aguardam, pacientemente, seu retorno:
afirmam que uma margarida no peito é coisa fragilíssima,
não dura para sempre.
Não dura...
Maria Flor!
Creio que tu não és daqui...creio que és divina!!!!!
ResponderExcluirVerdade nada dura para sempre mas aprendemos a sentir com o coração...
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