sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Chove...Chove silêncio...

Há esta chuva adormecendo o mundo,
atravessando o meu peito ressequido.
Pinga a serra, pinga a dor, pinga tudo.
Um torpor que molha o coração das aves
e as faz recolher para o interior
das penas ou para os antros ainda raros selvagens.

Sou eu este murmúrio de silêncio,
sou eu a terra alagada da terra virgem,
um corpo amado à beira da vertigem,
um momento que a chuva chora
e se sente na pele ainda agora.

Sou eu o esvoaçar das aves imprudentes
que rompem a bruma em voos rasantes.
Sou o murmúrio esquecido das fontes
porque neste dia a chuva
lança no meu peito um manto
de chuva e silêncio.

Se alguma paz no mundo houver,
serei eu a sua semente plantada
em cada ventre de mulher porque no meu olhar
permanecem ainda
dois corpos reclusos na luz da aurora,
despertando em alagados silêncios
e a chuva como lençol único, imenso,
um murmúrio de mãos que se estendem
e o calor derramado pelo leito.

Um estio ali desfeito ali nutrido,
no refúgio onde as feras apaziguam seus medos.
Porém as palavras não tangem sequer de perto
o tempo dos amantes
que ondeia numa praça sem nome,
uma praça numa cidade meridional
cheia de gente onde o amor sangrou as fontes
e um homem e uma mulher
foram um só grito, uma só semente.

As palavras nunca resumem
o perfume dos corpos quentes tatuados
de estrelas nas noites cintilantes.
Apenas o silêncio resplandece de aromas
quando um homem e uma mulher
se tocam e se fazem uma só cor numa só pele.
Nuvens de algodão sereno,
cascatas de luz nos sentidos,
quando um corpo verte noutro
todo o seu ser em forma de fluidos.

Sim, tudo hoje em mim está suspenso,
menos estes vestígios
que recolho e sob a chuva cantando purifico.
O amor é este apaziguamento do mundo
no interior dos nossos olhos.
Uma chuva de silêncio nas ilhas encantas
mudas onde o olhar se prende.

Viver num dia assim os vestígios
intemporais do amor é deixar
o mundo seguir no seu rumo sem sentido,
sem erguer diques para contê-lo.

Soltar a voz e deixá-la enrouquecer de paixão,
cobrindo a nudez dos dias com
um manto de pureza, belo.
É decantar na chuva o pensamento,
viver nos intervalos da memória e planar
assim no rumor do silêncio,
ser a própria chuva que nos vidros rola,
ser o espírito do amor em leve, mudo e inquieto,
de um coração que outro aflora.

Maria Florჱܓ

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Uma Florჱܓ com carinho