Lentamente subi as escadas.
Nos pés a pedra gelada dos degraus, cinzentos,
rugosos, como as paredes que, iluminadas pelas velas
espalhadas ao longo do caminho, pareciam fogo,
penumbra.
E os dedos desenhavam na tua pele, o percurso de um rio,
correndo devagar, sem sobressaltos.
O cheiro a açafrão e pimenta doce, deixavam no ar a
incoerência e a loucura, a sofreguidão e a calmaria.
Quente e confortável a sala parecia nem ter sido usada
nos últimos dias, como se alguém, à pressa, tivesse arrumado
tudo para receber visitas, como se tivesse passado horas preparando
a minha chegada.
Os teus pés agitavam-se na cama, de prazer, tentavas segurar
os lençóis com as pontas dos dedos, como se a qualquer momento
pudessem fugir e arrastar com eles pela janela completamente aberta.
Lá fora, era verão, e o calor dos cheiros e da luz, traziam para dentro
do quarto esse sol que já a muito se tinha coberto com o mar.
Mais um degrau e chego ao patamar que dá para os quartos,
o frio do corrimão de ferro gela-me o corpo e sinto um inesperado
arrepio que me faz estremecer da palma do pé até ao pescoço,
soltando um leve gemido que me permitiu fechar os olhos só por
um segundo, o suficiente para te ouvir.
Junto ao pescoço arfavas soltando o teu ar quente, tocando levemente
os minúsculos atrás da orelha, fazendo tremer o mundo e as mãos não
resistem, percorrendo todo o teu corpo, agitando ferozmente
os teus quadris, encaixando um corpo no outro como se não
houvesse outro corpo que te completasse tão certamente.
As fotografias na parede, próximo a porta do meu quarto, reparo agora
que são velhas e gastas, como se o tempo tivesse parado à mil anos atrás.
Eu construía castelos nas areia para brincar, tu teimavas em protegê-los
do sol, como se este os quisesse magoar, eu atirava-os ao mar, tu ias
buscá-los, como se o mar pudesse roubar...Roubavas tu o tempo,
como se fosse só teu, e aproveitavas, e gastavas a teu bel-prazer,
como bem querias.
Qualquer um naquele momento te daria o mundo só para te ter infinitamente.
E tu roubavas o tempo, fazias prolongar essa dor de estar a escassos centímetros
de entrar em ti e transformar o quarto numa cela, onde presa, passavas de
cordeiro a lobo, devorando a carne, rasgando as roupas, arranhando as costas.
Sabes como o teu jogo é perigoso...
Não dormiamos ainda, duas pequenas pessoas, deitadas lado a lado,
como se tivessem receio de adormecer com medo de voltar acordar.
Abraçados, com os olhos semicerrados, chorosos, olhavam-me com
um misto de raiva e compaixão.
Com paixão mordiscavas os lábios enquanto era cegamente conduzida
para um mundo que parecias conhecer tão bem.
Prendia entre as pernas cruzadas o teu instrumento, um objeto,
construías ali uma orquestra de gemidos e agitados empurrões contra
o colchão, a chama das velas curvavam-se na tua direção, em forma de
submissão, ou protesto.
Com um nó no estômago e um punhal espetado bem no meio do meu peito,
entrei no nosso quarto, segurei a porta, cerrei os dentes, cerrei as mãos,
fechei os olhos...
Os teus olhos tinham água, tinham vinho, tinham desejo demais para me ver.
Olhavas o teto que fluía num quadro outonal em tons de castanho, bege e grená.
Fugia por dentro dessas imagens que tentavas apagar enquanto duas mãos pesadas
me seguravam os seios, os braços, percorriam todo o meu corpo me possuindo
para sempre.
Mas essas mãos não eram minhas...
Fechei a porta, soltei as mãos, soltei as lágrimas, rasguei as velhas e gastas
fotografias na parede, as únicas imagens que guardo de ti...
Adormci...
Maria Flor!
Lendo-te...sei que és maravilhosa!
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